domingo, 28 de fevereiro de 2010

Aparência


A permanente preocupação com o que somos e o que parecemos é uma constante na vida.
No dia-a-dia há sempre a preocupação em pensar, se estou bem, se posso ou não fazer isto ou aquilo, o que pensarão de mim, se gostam de mim ou não, e ás vezes há casos, há momentos em que isto é tudo, e é aí que há o desencontro com a autenticidade e a não distinção entre o essencial e o acessório. A opinião terceira talvez até nem se ouça, mas está presente no pensamento, e é como se controlasse a vida daquele que se submete a ela.
Quando se constatam factos é diferente, quando se sente que, por exemplo, um acto afasta alguém, ou causa incómodo, há a tentativa de mudança. Mas e se talvez essa acção fizer parte de ti? E se essa acção não estiver tão errada assim, mas incomodar alguns? A mudança será necessária? Porquê mudar pelos outros? Desfazer uma identidade.
Talvez não haja a vontade de desfazer a sua própria identidade, mas desfazem-na. Aqueles que vivem rodeados de uma neblina que cega qualquer um e parecem ser, são capazes de humilhar, querem que o outro deixe de ser bom para parecer algo melhor. Há sempre uma tentativa de se mostrar, de estar por cima, talvez até não mereça, não tenha estofo, mas as pessoas gostam, dizem que tem boa aparência.
Tento estar por cima, tento pertencer a uma classe superior, em que talvez alguns parecem, mas outros são.
Há que mostrar força e personalidade, mas será que isso é assim tão relevante na selva da adolescência, num mundo de aparência?
Existe uma confusão entre o querer e o não querer mudar, há a certeza no querer ser, e a vontade no querer ser grande, sem parecer, sê-lo realmente, ser autenticamente reconhecido.

É tão fácil parecer alguém. É tão difícil ser alguém.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Presenças



Em cada dia deveria dar um pouco mais, deveria dar mais de mim aos outros. Mas será que alguém quer receber o que eu supostamente deveria dar? Será que são assim tantos os privilegiados dignos de receber parte de mim? De fazer parte de mim?

Tantas vezes há a interrogação acerca da solidão e da sua proximidade com a minha pessoa, e disso advém o medo. Vê-la aproximar-se e não conseguir fazer algo para a evitar, pelo contrário, actuando para que ela se aproxime ainda mais, talvez inconscientemente, mas não sentindo a tristeza que a presença da solidão traz.

Quando me encontro, e sinto o vazio, há sempre a tentativa de evasão para a superioridade de mim próprio sobre tudo o resto. A ilusão de que tudo me é alheio e dispensável, rapidamente se transforma na realidade da ausência de calor humano, da palavra certa, de uma mão que conforte e apoie incondicionalmente. O foço da realidade é demasiado profundo, e desespero por chegar ao fim. Corro em busca de alguém, mas é tão difícil encontrar alguém quando quase todos nos parecem supérfluos, incompatíveis e desprezáveis. Em consequência encontro quase sempre a mesma presença, e na verdade, esteve sempre por perto, talvez não conseguisse vê-la, ou não quisesse. Eu deveria saber que ela lá estava, era tão evidente aos olhos de todos, porque que não aos meus? Talvez não a visse porque não merecia que lá estivesse, ou porque não daria a devida importância.

Acolhe-me sempre no seu regaço, como se fosse a primeira vez que o fizesse e perdoa-me todo o mal. Agradeço momentaneamente, e fico sempre perdido entre o arrependimento e as convicções próprias. A falta de conselhos é evidente, seria bom que houvesse mais conselhos e menos reprimendas, mas a verdade é que talvez eles desde sempre existam, dados pela sábia presença, eu é que não os consigo ouvir, ou, mais uma vez, não os queira ouvir.

O carinho é inevitável, mas isso, isso fica para outro dia.